sábado, 21 de fevereiro de 2015

#QLQRUA: os debates nas redes sociais

"O momento foi oportuno",  pensou em frente ao computador. "Postarei a foto da minha barriga de grávida para a protestar contra essa ideia de aborto legalizado", complementou. No ano passado foi a mesma que postou críticas e desfez amizades no período de eleições. Em 2013 foi contra os protestos, pois não entendia o motivo de tanta bagunça e tantas canções de ordem nas ruas.

Ela é como milhares de pessoas espalhadas pelo mundo cibernético. Aqueles que usam a internet para para protestar, criticar, falar, dar opiniões. Na maioria das vezes sem fundamento teórico, no qual o debate vira agressão e logo a razão se perde, levando para a discussão palavras de teor malcriado.

Com a popularização das redes sociais, a jovem e seus milhares de similares perceberam que muito mais que apenas manter o contato com os amigos, as redes estão aptas para receber ideias.

Infelizmente, nem sempre o espaço é usado de forma integral. Cada vez mais os debates sobre algum assunto se tornam vazios. Não há referencial, embasamento. As ideias claras se perdem, e em muitos casos o preconceito e a intolerância se revelam.

Pior que o debate é a fofoca que transforma mentira em verdade, no qual o fato divulgado não tem referência de fontes seguras e acaba se tornando um viral (compartilhado, curtido e etc). Isso acaba gerando absurdos problemas e muitos com desfeitos tristes. Quem não lembra do caso da dona de casa morta ao ser linchada pelos moradores do bairro em que vivia com a família, ao ser acusada em uma página de sequestradora de crianças? Uma mentira que deixou duas crianças órfãs e um marido viúvo.

Sem dúvida, ainda temos muito o que aprender em relação ao uso das redes sociais. Liberdade de expressão não significa intolerância. Liberdade é respeitar a opinião dos outros, é ter opiniões próprias e ter debates com base no respeito.

------------------------------------------------------------------------
Leia as demais crônicas da série Em qualquer Rua

sábado, 14 de fevereiro de 2015

#QLQRUA: Os preparativos para bailinho de carnaval

Imagem meramente ilustrativa/ Foto: Banco de imagens
Animada a pequena acordou. Pulou da cama com rapidez, chamou pela mãe. Quis botar a fantasia, mas a mãe disse que não, pois ainda era cedo. Os olhinhos grandes e azuis olhavam para a mãe como se ela pudesse fazer as horas passarem mais rápido.

Já na cozinha pegou a mamadeira com leite e chocolate e com a outra mãozinha o as duas fatias de pão de forma grudadas com chimia de uva. Foi até a sala, sentou no sofá e lá tomou o café da manhã. Quando acabou a mãe pegou a mamadeira vazia. Neste momento ela balançava os pezinhos e pediu para a mãe ligar a televisão para ela. Inquieta no sofá, se mexia para lá e para cá. Chamava pela mãe, conversava, porém não saia da fofa poltrona, nem da frente da tv.

Comemorou quando percebeu que a mãe iria começar a preparar o almoço. A pequena já havia se arrependido de acordar tão cedo. Ela não aguentava mais esperar.

Quando a mãe chamou para almoçar, quando ela olhou para a televisão e viu que o jornal havia começado: COMEMOROU, novamente!

Já na mesa, sentou direitinho. Comeu tudinho e aprovou a sobremesa. Comeu até a salada, sem reclamar. Agora era só esperar mais um pouquinho. O papai chegaria em minutos do serviço. E depois de almoçar lavaria a louça. "Papai do Céu, cade meu pai!", pensou ela irritada com a demora. Detalhe que o pai não demorou, mas aqueles minutos eram torturantes.

Já passava das 13h quando a mãe foi para o banho, depois ela e por último o pai. Ainda de roupão, a mãe pegou a menina e preparou a maquiagem. Brilho vermelhinho nos lábios, bochecha rosadinha, sombra de azul. O rostinho ganhou brilhos dourados, de estrelinhas. O cabelo cacheado loirinho foi preso, em um alto rabo de cavalo. Pronto! Fantasia.

A mãe se arrumou, o pai também. O sorriso da pequena abriu. E tinha motivos...

Na porta de casa, de mão na cintura ela chamou a atenção dos pais "Vamos". Eles riram. Ela franziu as sobrancelhas. A pressa tinha razão. A pequena de quatro anos não queria perder nenhum segundo do bailinho de carnaval.

--------------------------------------------------------

Leia as demais crônicas da série Em qualquer Rua

sábado, 7 de fevereiro de 2015

QLQRUA: Sem oportunidade

Imagem meramente ilustrativa
Vamos chamá-la de Marília, pois ela não quer ser identificada. Tem medo de ser ainda mais rejeitada. Luta em silêncio pela oportunidade que não lhe é dada.

Marília tem dupla formação em biologia. Estudou em uma das 10 melhores faculdades do País. Tem pós-graduação em ensino da ciência para crianças, fala três línguas e presta trabalho voluntário em uma instituição de crianças sem lar. Têm 25 anos, é alta, magra, sorriso lindo e simpatia pura. É uma moça culta e bem educada. Desde os 18 anos busca por uma oportunidade de trabalho, sua CLT nunca foi assinada. O último emprego em que foi rejeitada foi para a vaga de faxineira em um condomínio de classe média.

Vive fazendo um bico aqui e outro ali. É sustentada pelos pais e pela avó. Não queria viver assim, tenta e tenta, mas sempre esbarra no preconceito.

Marília luta na justiça pelo direito de mudar o nome nos documentos oficiais, e assim alterar o nome no diploma e no registro profissional. Acredita que se houver a alteração a sua vida ficará mais fácil.

Marília, na verdade, é Diego. Mas não nasceu menino. Ganhou esse nome em virtude da sua condição. Marília é hermafrodita. Como seu órgão masculino é maior, ganhou o nome de Diego, explicou a bióloga. Porém, quando cresceu o seu corpo se desenvolveu como de qualquer outra menina. Ela mostra que tem seios pequenos e é nítido de que ali não há nenhuma grama de silicone. O corpo também é bem feminino e quem não a conhece bem não sabe que ali "habitava" um ser chamado Diego.

A confusão na adolescência foi enorme. Se quando era criança já achava estranho ter dois "pipis", na adolescência tudo era estranho. Diogo percebeu que gostava mesmo era de meninos. Contou aos pais que era gay. O pai o rejeitou, contudo, a vó e a mãe não. Só não foi expulso de casa, graças as duas.

"Em uma manhã, ao acordar percebi que meus mamilos doíam muito. Eu tinha uns 14 anos. Contei para a mamãe e ela viu que meu peito estava relativamente inchado. Me tranquilizou, disse que isso era normal no meu caso. E brincou dizendo que talvez eu fosse mesmo uma menina. Fomos o médico e depois de um monte de exames, ele nos contou que tenho ovários, mas meu útero nunca poderá receber um bebê. Erroneamente, disse ele, disseram que essa criança era um menino", contou.

Marília falou ainda que desde então se trata com esse médico, em diversas razões ligadas ao hermafroditismo. Há dois anos faz tratamento psicológico no Hospital de Clínicas. Está na lista de espera para fazer a cirurgia de definição de sexo, quase fez, mas não pode. É fumante.

"Não consigo parar de fumar. Meu pai me tolera, mas não aceita. Só vejo as portas fecharem para mim. Não vejo solução, me ataca os nervos, fumo e fumo. E enquanto não parar o médico avisou que não irá me operar. E por causa disso, ainda sou em parte Diego", confidenciou.

------------------------------------------------------------
Leia as demais histórias e crônicas da série #QLQRUA